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Nuno Cobra Jr

O que podemos aprender com os cavalos?

Nuno Cobra Jr.

15/04/2020 04h00

Crédito: iStock

Aprendemos muito quando ensinamos, na verdade, acho que ensinar deveria ser mais uma tentativa de compartilhar experiências do que um processo vertical de ensinar conceitos pré-fabricados e pré-estabelecidos. Somos todos mestres e, ao mesmo tempo, aprendizes. Nos tornamos ignorantes quando adentramos no campo de outros saberes.

Outro dia, um dos meus alunos, o Fábio Bozelli, me contou uma história interessante. Ele pratica salto no hipismo, um esporte complexo e delicado, que exige uma percepção aguçada e uma sincronia fina com um animal sensível e extremamente empático. Quando sentamos em um cavalo, ele sincroniza os seus batimentos cardíacos aos nossos, em tempo real. Dessa forma, tudo aquilo que sentimos, por extensão, passa a ser sentido por ele.

O Fábio me disse que estava angustiado por sentir que a sua evolução no hipismo havia se estagnado. Sendo assim, ele resolveu compartilhar essa aflição com seu professor.

– Caramba, professor, há meses eu treino a mesma coisa e não consigo sair do lugar! O que está acontecendo?

– Ok, vamos tentar outra estratégia, disse o professor. Coloque o peso do corpo um pouco mais para trás, Isso! Agora, relaxe um pouco a tensão nos braços.

Depois de algumas dicas pontuais, o professor pediu para ele tentar novamente a manobra em que havia empacado. Para sua surpresa, ele conseguiu, finalmente, executá-la. As coordenadas passadas pelo professor já tinham sido passadas anteriormente, a diferença é que, dessa vez, ele parece ter conseguido relaxar e confiar na possibilidade de realizá-la.

Isso me remete a uma teoria interessante: sempre que tencionamos o processo de aprendizado, criamos uma dificuldade adicional e uma barreira à nossa própria evolução. Por enquanto, guarde essa teoria na memória, ela também serve para explicar a dificuldade das pessoas em conseguir emagrecer. Quanto mais conflito e mais tensão, mais criamos barreiras à concretização dos nossos objetivos. Ou seja, quanto mais tensa, preocupada e obsessiva for a sua relação com a comida e o emagrecimento, mais dificuldade você terá neste processo. Essa é a armadilha. Quando o assunto "não posso comer" se torna uma obsessão para você, mais o seu foco vai estar aprisionado a ele e mais refém da comida e dos seus medos você estará.

Terceirizando o problema

Por que ainda agimos como uma criança em relação ao que precisamos mudar? Por que nos tornamos tão dependentes de uma autoridade (o especialista, o professor), que irá nos pegar pela mão e nos conduzir em direção às nossas metas? Será que, na maioria das vezes, isso não depende mais de nós mesmos do que dos outros? O professor pode ajudar a mostrar o caminho, mas trilhá-lo cabe a você.

Após 36 anos de experiência, defendo uma linha comportamental de mudança de hábitos, tanto no corpo quanto na mente, de uma forma orgânica e gradativa, priorizando o médio e longo prazo, o que ajuda a prevenir a desistência. Porém, muitas vezes, fico tenso quando o aluno me traz a sua angústia de não estar evoluindo, nessa hora, tenho duas opções: ou fico aflito com a sua reclamação, ou reconheço que essa angústia não me pertence.

Ao ceder a essa demanda, posso começar a pensar em soluções radicais e instantâneas para estancar essa angústia. Bom, se faço isso, acabo de cair na "vala comum" das soluções milagrosas e compactuo com a ansiedade e a pressa do aluno. Ou seja, a partir daí, em vez de estar ajudando na solução, vou estar colaborando em manter e perpetuar esse problema.

Por que isso acontece? Porque a solução da questão está, exatamente, em aprender a sustentar essa angústia e, principalmente, na capacidade de olhá-la de frente, sem medo e sem possibilidade de fuga. Sempre que você fugir, você estará regredindo e voltando para trás, adiando a hora de encará-la e resolvê-la definitivamente.

Mas o que fazem aqueles que estão sempre fugindo de si mesmos? Eles estão sempre culpando e responsabilizando os outros pelo seu insucesso. Buscam sempre terceirizar a solução do seu problema. "Se esse professor não me fizer emagrecer, logo vou procurar um outro professor que o faça", esse é o raciocínio mais comum. Dessa forma, o aluno se abstém da sua responsabilidade nesse processo.

É bom avisar que essa "peregrinação" corre o risco de não ter fim. Afinal, as soluções superficiais aumentam, enormemente, as chances de retornar ao ponto de partida, uma vez que não estamos atacando a verdadeira causa dessa questão.

Adianta fugir?

Acontece que a sociedade de consumo tem pressa, e isso nos leva a alimentar uma doce ilusão: fugir ao problema é melhor que enfrentá-lo. É o que chamo de insanidade corporal: querer chegar a resultados diferentes usando sempre a mesma estratégia. Sempre que você seguir uma receita generalista, esquemática e sedutora de busca da felicidade, controle mental, emagrecimento, controle das emoções, autoconhecimento, ou o que quer que seja, você estará se afastando da solução. Na vida, não existe atalho! Quem te vender um atalho estará, discretamente, te iludindo, pode ter certeza disso!

Para uma perda de peso definitiva, o mais importante não é reduzir o peso corporal (essa receita você consegue em qualquer banca de revista), o mais importante é desconstruir, um a um, os condicionamentos e a relação que o aluno tem com o seu corpo e com a alimentação. Ou seja, para mudar o corpo, primeiro você precisa mudar a mente.

Isso já é um consenso entre os maiores estudiosos da nutrição (entre eles  Mann 2007): 95% das pessoas que seguem dietas restritivas retornam ao peso anterior, ou ganham ainda mais peso, no prazo de um ano. Obviamente, o marketing dos métodos milagrosos e instantâneos irá te mostrar apenas aqueles 5% que conseguiram emagrecer, porém, não necessariamente foram capazes de manter essa perda de peso por um longo período. Manter uma alimentação restritiva não é viável no longo prazo, além de não proporcionar o mais importante: a reeducação dos hábitos. Pense bem, você adotaria uma estratégia sabendo que ela falha em 95% dos casos? Ou seja, quanto mais pressa você tem, mais demorado poderá ser esse processo.

Voltando ao assunto dos cavalos, o Fábio me contou duas histórias complementares, na segunda parte da história, ele disse que, certo dia, estava injuriado com o cavalo e reclamou para o professor que o cavalo não conseguia fazer o que ele lhe mandava. O professor, inteligentemente, pediu para montar o seu cavalo e executou tudo o que ele estava tentando fazer, com imensa facilidade. Nesse ponto, ele percebeu que o problema era com ele, e não com o cavalo. Imagine que a nutricionista ou o treinador fazem as vezes do cavalo nessa fábula moderna e você terá entendido essa questão.

É importante refletir: enquanto você não se responsabilizar pelos seus próprios problemas, você continuará culpando os outros e o mundo por algo que cabe a você mesmo procurar resolver. Mudar é possível, mas exige paciência e coragem. Mãos à obra! Encare de frente os seus medos e os seus fantasmas. Ao fazer isso, você irá vê-los em seu tamanho real, não tão implacáveis e assustadores como você imaginava.

Sobre o Autor

Nuno Cobra Júnior é um generalista do conhecimento corporal e acompanhou o treinamento físico e mental de alguns dos maiores esportistas brasileiros nos últimos 35 anos, entre medalhistas olímpicos e diversos campeões mundiais, como Ayrton Senna e o surfista profissional Ítalo Ferreira. Profissional de educação física, palestrante, consultor em qualidade de vida e treinamento integral, tem ajudado a conceitualizar e fomentar uma nova visão do treinamento físico, longe dos modismos e dos modelos hegemônicos de treinamento. O autor do livro “O Músculo da Alma, a Chave para a Sabedoria Corporal” defende a inovação e a renovação do treinamento físico. É fundador de uma nova abordagem metodológica que une a filosofia, a psicologia e diversas áreas do conhecimento corporal, aplicados ao treinamento físico. Veja mais em www.treinamentoconsciente.com.br

Sobre o blog

Aqui, Nuno Cobra Jr. propõe uma pequena revolução: pensar o corpo e o treinamento físico através de um prisma filosófico, integral e multidisciplinar. Ele pretende dar voz e visibilidade ao Movimento Treinamento Consciente, uma resposta à cultura de treinamento baseada na dor e no sofrimento. Esse movimento agrega fisioterapeutas, doutores em educação física, fisiologistas, ortopedistas, cardiologistas e nutricionistas, entre outros. A missão desse espaço é criar uma comunicação entre estes profissionais, expandir o conhecimento e fomentar na população a consciência no cuidado com o corpo.